Empresas de militares receberam R$ 308 mi do governo em 2022

Levantamento do Poder360º mostra que 283 companhias com militares da ativa ou da reserva em seu quadro societário receberam R$ 308 milhões em pagamentos da União em 2022.  De janeiro de 2014 a maio de 2023, foram R$ 3,4 bilhões, em valores corrigidos pela inflação.  


Segundo a reportagem, nomes de militares da ativa aparecem 16.956 vezes no quadro societário de empresas ou entidades. Na reserva, são 33.749 vezes. O levantamento encontrou 584 dessas empresas favorecidas com contratos públicos de, ao menos, R$ 50.000 nos últimos 10 anos. A maior parte dos pagamentos a essas empresas vêm do Exército, da Marinha, da Aeronáutica ou da Defesa. Em 2022, 67% das despesas com empresas de militares foram feitas por esses órgãos.

A maioria dos pagamentos é feita a companhias que têm entre seus sócios militares da reserva. Ainda assim, R$ 23,6 milhões foram gastos, em 2022, com empresas cujos sócios ainda trabalham no governo federal. 

O que diz a lei


A reportagem do Poder 360º mostra que não é irregular empresas de militares serem contratadas pela União, embora haja restrições e possibilidade de favorecimento que podem configurar ilegalidades e anunciar problemas como beneficiar-se de informações adquiridas durante o serviço militar para ganhar concorrências públicas. 

A nova Lei de Licitações, por exemplo, criminaliza a conduta de quem tenha uma informação relevante sobre a contratação de serviços durante o diálogo competitivo e a reserva para num momento posterior obter benefícios. O diálogo competitivo é uma modalidade de licitação em que algumas empresas tomam contato com dados da administração pública. A nova lei proíbe que essas informações sejam usadas como vantagem posteriormente. Por analogia, poderia se argumentar que esse tipo de preocupação também deve existir com as informações obtidas por militares da ativa e da reserva. O Ministério da Defesa e a CGU (Controladoria Geral da União) não responderam aos questionamentos do Poder360º sobre como evitam a possibilidade de uso de informações privilegiadas pelos oficiais, enfatiza a reeportagem.

Para Rodrigo Lentz, professor da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador de temas ligados a militares no Instituto Tricontinental, ouvido pelo site, pode haver dilema moral entre a atividade e o recebimento de dinheiro público, especialmente no caso dos militares da ativa. “Por tradição, o militar tem cerca de ⅓ de seu tempo de serviço liberado para estudar e um sistema de saúde integralmente bancado pelo dinheiro público, além de assistência previdenciária diferenciada. Será que é admissível usar esse investimento público em sua profissionalização para que, ao mesmo tempo, o profissional obtenha lucro como empresa cobrando do Estado?“, questiona.

Empresas que mais recebem


As cinco empresas identificadas no levantamento que mais receberam recursos são de militares da reserva. Em todos os casos, as companhias fornecem serviços para a Força Armada na qual o militar que é sócio trabalhava antes. 

Segundo a reportagem, empresas como a FisioCentro têm contratos com órgãos militares em Brasília. No seu corpo técnico, há duas médicas que também trabalham, em horários diferentes, no serviço militar. A empresa informou à reportagem que elas aparecem no quadro societário com pequena participação como forma de recompensar metas atingidas. A FisioCentro tem 82 pessoas no quadro societário, o que condiz com as informações oferecidas pela empresa. 

Há, porém, situações mais complexas, como a da 3A Engenharia, que tem como sócio o major André Luiz Arruda Marques. Militar da ativa, ele fez em 2022 viagens bancadas pelo Departamento de Engenharia do Exército para “apresentar metodologia de contratação de projetos por meio de licitação”. O site do Exército diz em notícia de agosto de 2022 que um dos objetivos da viagem foi “apresentar e discutir sobre a contratação de projetos por Sistema de Registro de Preços (SRP), que tem por objetivo desafogar o Sistema de Obras Militares na elaboração de projetos de obras de interesse do Exército”.

Na notícia, o Exército se refere a Arruda como “chefe da seção de governança”. Do outro lado do balcão, sua foto e seu contato aparecem no site da 3A Engenharia como “responsável técnico” pela empresa. Ou seja,  evidencia o site Poder 360º, a mesma pessoa que trabalha para o poder público discutindo governança em licitações de projetos de engenharia do Exército é sócia de uma empresa que presta serviços de engenharia para o poder público.

A empresa, que recebeu R$ 2 milhões de dinheiro público em 2022, não respondeu aos contatos do Poder360º, que declina sete ligaçõequatro emails, evidenciando que o espaço continua aberto para manifestação. O Exército também foi contatado pela reportagem. 

Possíveis irregularidades


A reportagem traz, também,  situações que aparecem em desacordo claro com a lei. Uma delas é a do Hospital IVV (Instituto Volta Vida). O capitão da Aeronáutica João Paulo Diógenes Parente aparece na Receita Federal como sócio-administrador da empresa. Ao mesmo tempo, ele exerce o cargo de capitão da Aeronáutica. O estatuto dos militares afirma que “ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada”.

O IVV recebeu R$ 255 mil em pagamentos do governo federal em 2022 por contratos pagos com o Fundo do Exército. Embora o nome do capitão apareça como sócio-administrador, o hospital afirma que ele não participa de tarefas administrativas. A empresa enviou a seguinte nota à reportagem:

“Vem-se informar que o Dr. João Paulo Diógenes Parente é sócio-administrador do Hospital desde dezembro/2020, sendo antes somente sócio, desde 2008. No mais, informa-se que a Empresa firmou parceria com o Hospital Geral de Fortaleza com recursos do Fundo do Exército mediante contrato de edital de credenciamento. Informamos que o Dr. João Paulo não realiza atos de gestão junto ao Hospital, sendo estes exercidos pelos demais administradores”. Outro caso de empresa com um militar da ativa como sócio-administrador é a Drogaria São Miguel de Garça, que recebeu R$ 88.700 do governo federal em 2022.

A aspirante a oficial da Aeronáutica Leticia Maitan Pelogia aparece como sócia-administradora da empresa no Fisco. A empresa não retornou aos contatos por telefone e por email do Poder360.

A Aeronáutica foi contatada sobre a possível irregularidade nos casos acima. Afirmou que “tomou conhecimento dos fatos e vai proceder com a devida apuração e providências que se fizerem cabíveis”.

Metodologia


O levantamento apresentado na reportagem cruzou o cadastro completo da Receita Federal com a folha de pagamento dos militares da ativa e da reserva e relação de todas as empresas que recebem pagamentos do governo no Portal da Transparência. 




Leia mais:

Reportagem completa no site 360º 

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