CPI da Saúde Caxias do Sul: além da mera discussão. É preciso transformar



Ricardo Barazzetti (PT), assessor da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara Municipal de Caxias do Sul; Artur Vieira (PT) auxiliar de bancado do PT na Câmara Municipal e Estela Balardin (PT), vereadora líder de bancada na Câmara e relatora da CPI da Saúde de Caxias do Sul, discutem a gestão da saúde no município, destacadamente a partir da CPI instaurada em julho último.

A terceirização da gestão da UPA Central em Caxias do Sul, não é novidade, levantou uma série de questionamentos, principalmente a partir do momento em que se tornou pública a cobrança indevida de mais de 7.000 horas médicas de trabalho, situação que envolve as empresas InSaúde (terceirizada) e JC Serviços Médicos S/S (quarteirizada).

O pagamento às mais de 7.000 horas de trabalho resultou despesa superior a R$ 1.300.000,00 à Prefeitura Municipal, cujo argumento, até então, era a redução de custos na gestão. A questão levou à pergunta sobre quantos outros problemas do gênero um processo de terceirização e um processo de quarteirização (que quebra uma cláusula do contrato entre a prefeitura e a InSaúde) podem estar por trás de uma privatização na gestão da Saúde.


Ricardo Barazzetti enfatiza que a questão da privatização inicia em 2019, com o Prefeito Daniel Guerra, que sofreu impeachment. Naquele período, Caxias contava com um único Posto de atendimento – o chamado Postão –, que passou a denominar-se UPA – Unidade de Pronto Atendimento 24 horas, gerida pela prefeitura. A decisão pela gestão privada enfrentou resistências, não apenas da bancada do PT na câmara, mas de vários sindicatos, inclusive o Sindiserv, lembra Barazzetti. Houve um movimento de oposição à terceirização do processo de gestão. "É evidente que na gestão pública a saúde tinha alguns problemas, mas os maiores hoje estão vinculados à terceirização", reforça.

Fica muito mais difícil cobrar eficiência, bom-atendimento, infraestrutura, qualidade nos serviços, qualificação dos profissionais, salários adequados, plano de carreira, questões às quais o acesso é indireto e muito mais complicado, completa Estela Balardin. A partir da terceirização, evidencia a vereadora, "a UPA perdeu seu vínculo com a comunidade e essa, por sua vez, perdeu a possibilidade de cobrança/controle sobre ela. Estela frisa que “todos os servidores que estavam ali, tinham qualificações para estarem trabalhando na urgência e emergência, para estarem trabalhando dentro de uma unidade de pronto atendimento, eram contratados para isso, era isso que faziam e recebiam para isso.

Quando o antigo Postão foi terceirizado, eles foram realocados para UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Então, aquela qualificação que eles tinham para trabalhar na urgência/emergência foi deixada de lado.

 Hoje, eles não trabalham mais na UPA, não utilizam mais uma qualificação específica que eles tinham. Estão em uma UBS fazendo o mínimo. O trabalho deles na UBS é muito importante. É um trabalho de excelente qualidade, mas eles poderiam estar contribuindo muito mais, com certeza, porque têm qualificação para isso, completa Estela. 

Segundo Silvana Pirolli, integrante do Conselho Municipal da Saúde e Presidente do Sindiserv (Sindicato dos Servidores Municipais) "é importante que se tenha pelo menos uma das UPAS com gestão municipalizada, o que não ocorre hoje. A gestão da UPA Central está a cargo da InSaúde, e o UPA Zona Norte é gerida pela FUCS (Fundação Universidade de Caxias do Sul) sem que tenha havido edital público, fato que a CPI da Saúde considera da maior importância. A Câmara Municipal votou a permissão da gestão pela FUCS por 12 meses, período que já se encerrou sem que houvesse qualquer mudança na gestão.


A partir da dificuldade de controle/fiscalização da gestão das Unidades de Pronto Atendimento pelo município instalam-se situações como falta de formação profissional qualificada e baixo número de profissionais para atendimento, bem como redução da qualidade desse atendimento e descaso com a manutenção da infraestrutura como processo permanente. 

Falta um Plano de Carreira que garanta a permanência dos contratados e a existência de um protocolo padrão de qualidade, destaca Estela, fazendo coro com as declarações de Pirolli em oitiva na CPI. 

Um forte impeditivo da qualidade de atendimento e da criação de vínculos com o usuário é a alta rotatividade que se testemunha nas Unidades. Se a gestão terceirizada dá espaço para a falsificação de documentos relativos a horas trabalhadas, que condições há de se verificar a efetiva formação do quadro de funcionários, exigida inclusive por lei? 

E mesmo que essa verificação ocorra, nada garante que as falhas sejam sanadas, como denunciou Silvana Pirolli. Isso ocorre, também, em diversas outras situações, como na avaliação do plano de metas, que é feita regularmente, e da qual participam o Conselho Municipal de Saúde, mais e outras entidades que incluem representação dos trabalhadores da área da Saúde (25%) e os próprios usuários (50%).

O Conselho, na avaliação de planos e metas, já apontou diversas irregularidades. Metas não cumpridas, metas parcialmente cumpridas... e essas irregularidades se repetiram ano a ano. "Então, por mais que a fiscal de contrato, por mais que a prefeitura vá lá e cobre a melhoria daquela meta, cobre que aquela meta se torne mais eficaz, o quadro não muda, argumenta Estela Balardin. 

"Já, se a gente tivesse o serviço municipalizado, a gente sabe que haveria um termo diferente para que os indicadores fossem melhores. Sendo assim, o serviço, o atendimento ao público, ao usuário também seria, enfatiza a vereadora relatora da CPI. Com certeza, a relação do usuário com a unidade seria outra também", lembra ela. 

Silvana Pirolli destacou, em oitiva, que a questão da economia de custos no comparativo entre a gestão pública e a privada não passa de retórica. “Nunca me apresentaram um único documento nesse sentido" afirma.  E Barazzetti completa: "Tudo sempre se traduziu em afirmações não documentadas, o que nos leva à opção pela municipalização, principalmente se começamos a levantar o véu de situações como a que estamos discutindo, quando se descobre uma cobrança indevida de mais de R$1 milhão. Veja, argumenta ele “um quadro permanente de funcionários bem-preparados leva ao bom atendimento e, por sua vez, terá incidência na saúde preventiva, que lá na frente vai repercutir em menor número de doenças graves, menos internações, ou seja, vai traduzir um custo muito menor e um vínculo importante com o usuário, coisa que hoje não se estabelece. A municipalização seria sinônimo de motivação para o funcionário e bom atendimento para o usuário.

"A denúncia levantada nesta CPI, acredito que seja um primeiro movimento, para a qualificação da Saúde na cidade, porque ela evidenciou claramente que uma das matrizes do problema é a gestão compartilhada, é a terceirização. E, parece-me, está havendo esse esclarecimento, esse convencimento social", comemora Barazzetti.

 Segundo ele, a bancada do Partido dos Trabalhadores vem fazendo isso há muito tempo. "Fez lá em 2019. Fez um 2020, 2021, 2002, sempre que aparece esse debate de problemas nas UPAs ou aparecem discussões acerca de terceirização, nossa turma vem denunciando. Há uma denúncia permanente. Se isso vem surtindo efeito ou não, é uma avaliação que nós temos que fazer. Eu arriscaria dizer que a publicização dessa fraude contribuiu para se chegar ao entendimento de que, de fato, a gestão pública da saúde é a melhor solução para a cidade, recomenda ele.

Agora fica mais evidente que a luta pela municipalização não era ideológica; levava em conta o bem-estar do usuário e a questão financeira. 

Nesse sentido, Artur é cirúrgico: "A gente tem que entender que o principal ponto até aqui, é a questão da fraude na UPA central. Trata-se da aplicação de fraude de uma empresa privada num setor público. A fraude não foi operacionalizada por servidores públicos. De forma alguma. Ela foi planejada por debaixo dos panos, à revelia do serviço pública, justamente porque a prefeitura não detém controle eficaz da gestão dita, entre aspas, compartilhada, que na verdade não é compartilhada, pois a prefeitura contrata uma empresa, que contrata outra empresa...”.

Na verdade, ao que tudo indica, existiria a possibilidade de uma “quinteirização”, que seria numa empresa incumbida de produzir/controlar a escala dos médicos contratados pela quarteirizada. Considere-se o agravante de que no contrato assinado entre a Prefeitura Municipal e InSáude a subcontratação ou quarteirização de profissionais médico é expressamente proibida.

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