"O argumento de que Caxias do Sul é um polo metalomecânico, uma cidade de trabalho, pertence ao século passado"

Entrevista com Valtair Radialista (PT), pré-candidato à Câmara Municipal de Caxias do Sul 


 

Valtair Moraes é bastante conhecido em diversos círculos da cidade, mas esses círculos crescem quando se fala no Valtair Radialista, que é como ele se identifica. Isso se justifica plenamente quando a gente fica sabendo que ele já trabalhou em 16 emissoras de rádio das mais diversas cidades do Rio Grande do Sul. Natural de Bagé, tem 68 anos de idade, radicado em Caxias do Sul nos últimos 20.


Quando foi que a política começou a te acompanhar? 

Quando cheguei em Caxias, em 2005, já era muito envolvido com a política. Comecei com 17 ou 18 anos. Hoje sou aposentado, mas, na juventude, convivi de perto com a ditadura militar. Cansei de ver militares entrarem na emissora e rasgarem nossa programação. Milton Nascimento, Chico Buarque, e outros grandes talentos de nossa música eram taxados de comunistas e muitas vezes proibidos. Foi um momento tenebroso de nossa história. Eles chegavam dizendo: isso pode..., isso não pode... e a gente tinha que acatar.

A ditadura militar somou muito pra que eu virasse um militante da esquerda. Em Bagé eu era filiado ao PCdoB e em Caxias, faz mais de 15 anos, me filiei ao Partido dos Trabalhadores.

Num primeiro momento, pensando em uma pré-candidatura, como enxergas a cidade? 

Caxias do Sul não é uma cidade progressista. É uma cidade bastante conservadora. Prova disso é que o Pepe Vergas cumpriu dois mandatos como prefeito, um dos melhores que a cidade já teve, senão o melhor, mas não alcançou o terceiro mandato.

Outro aspecto a considerar é que Caxias é uma cidade grande, então a tendência é ter muitos problemas. Por exemplo, a sinalização das ruas é precária. São raras as placas que indicam uma rua sem saída. Uma circulação bem planejada e bem cuidada facilita muitas coisas para o cidadão e para o visitante.

A infraestrutura não recebe o cuidado adequado. Caxias deveria ter muitos viadutos além dos poucos que tem. A entrada pra UCS é um caos. O acesso ao bairro Planalto é um desastre. Eu acho que o último prefeito que se preocupou com a mobilidade na cidade foi o Pepe Vargas.

A cidade precisa investir no comunitarismo. Sou presidente da Associação dos Renais Crônicos em Caxias do Sul – Rim Viver. Me voluntariei faz mais de 20 anos, mas esse espírito não é comum na cidade.

O Rio Grande do Sul tem 7.500 renais crônicos e 600 deles estão em Caxias. O estado tem quase 500 municípios. Então, esse número é muito significativo. Essa bandeira, portanto, é importante para a cidade. Tem que haver um cuidado da comunidade para com essas pessoas. A situação dos transplantes tem que receber atenção, ainda mais se consideramos que a cidade é um polo regional na saúde. 


Temos muitos jovens com 10 ou 12 anos em situação grave, pela falta de prevenção, que em síntese é um exame de dosagem de creatinina. Já desenvolvemos um trabalho junto a escolas, esclarecendo e incentivando a realização do exame. Mas não é só isso. Com o respaldo do poder público a gente poderia pressionar o Ministério da Saúde no sentido de reduzir a demora na obtenção de transplantes, que nesse caso não se resumiriam apenas ao de rim. 



Eu mesmo estou há nove meses na fila de espera para uma simples cirurgia de catarata. Não é justo um trabalhador contribuir com o INSS a vida toda e quando se aposenta não poder fazer uma cirurgia de catarata. E quando a gente começa a se informar, fica sabendo que o governo federal faz os repasses de verbas. Onde está o gargalo, então?

Como tu definirias o trabalho de um vereador? 

Vejo como um trabalho de fiscalização, de cobrança, de interface entre a comunidade e o poder público. Essa é uma das grandes tarefas de um vereador. E isso vale, também, para a questão do repasse de remédios à população. O que mais se ouve falar é que remédios estão em falta. Mas não é o que dizem as fontes oficiais, daí a importância da intermediação do vereador. Perdem-se muitas oportunidades por falta de conhecimento dos protocolos, dos caminhos para se obter ajuda e esse deve ser um papel dos vereadores. Eles devem estar informados e ter trânsito em todas as áreas.

Em que outra situação de gravidade apontarias na cidade se fosses vereador efetivamente? 

As dificuldades de Caxias do Sul não se restringem à saúde. Quem dera. O transporte coletivo é um desastre. Uma questão que se arrasta há anos é a saída dos ônibus no final do horário escolar noturno. Os alunos têm, sempre, que sair mais cedo da aula porque os ônibus não cumprem o horário. O contrato reza que eles devem aguardar o término das aulas, mas isso jamais acontece. Considere-se, ainda, que a partir das 20h ou 20:30h, os ônibus passam nas paradas em períodos de uma hora a uma hora e meia. Isso gera um problema adicional, que é a segurança.

A cidade de onde vim, Bagé, tem 15.000 habitantes e são três empresas concessionárias de transporte público. Caxias, com mais de 500 mil habitantes, tem uma única fornecedora desse serviço. Isso tem que mudar.

Outra coisa bastante comum é a gente ver animais acorrentados. Isso é um verdadeiro crime. Tem que haver uma lei municipal que proíba isso. Tivemos exemplo recente em Porto Alegre, onde mais de 40 animaizinhos morreram afogados por estarem acorrentados num petshop quando houve a enchente.


Caxias do Sul, na época do prefeito Pepe Vargas foi destaque nacional em cultura. Hoje, não oferece um único festival e mal tem espaços públicos para um show. Podemos organizar festivais de música, de dança, de teatro, como de fato já fizemos. A fronteira é famosa por seus festivais nativistas. Temos bons exemplos a seguir também na dança e no teatro e isso pode ser um atrativo turístico forte. 


O argumento de que Caxias do Sul é um polo metalomecânico, uma cidade de trabalho, pertence ao século passado. Cada vez mais as pessoas valorizam o meio ambiente, o lazer. E isso vale, também, para aquele público que vem à cidade a trabalho. Precisamos pensar no turismo econômico.

Estamos próximos de um grande polo turístico, formado por Gramado, Canela, Nova Petrópolis. Não é inteligente perder esse espaço. A Universidade tem cursos que vão da graduação ao doutorado em Turismo. Quer dizer: nada nos falta para deslanchar.

E como pensar em operacionalizar soluções? 

É fácil ver como um projeto que costumo chamar de “Quarteja Social” faria sucesso em nossa cidade. Bastaria levar música, teatro, brincadeiras aos moradores das diversas localidades, convocando talentos locais para se apresentarem. E esses encontros podem considerar também a saúde, levando vacinas, medição de pressão, exames odontológicos, professores de educação física, enfim, atender diversas áreas. Para isso, a única coisa que falta é a vontade política de oferecer lazer, cultura e cuidados de saúde à população.

E esses encontros, se a gente consultasse antecipadamente os moradores de cada região, poderiam levar respostas a muitas necessidades específicas de cada uma delas.

Quando a gente pensa em grupo e pensa na comunidade como um todo, tudo fica muito fácil. Exemplo disso é uma ação que eu e um grupo de voluntários fazemos há bastante tempo e que chamamos de “Sopão Solidário”. A gente se reúne e prepara um sopão bem consistente, quentinho, com pão e café também. Aí, à noite, percorremos diversas ruas da cidade, viadutos, marquises, procurando moradores de rua e servindo o sopão quentinho com pão e o café pra eles. Num primeiro momento, parece algo simples demais, mas já vi moradores de rua brigando por uma banana. Só vendo isso a gente acorda pra uma realidade que fica encoberta na cidade.




Somos um grupo de cidadãos voluntários. Então dá pra imaginar como isso poderia ganhar força se fosse uma política pública. A gente sabe que não vai mudar a vida dessas pessoas, mas que a gente ajuda a melhorar, com certeza ajuda.


Nenhum comentário

Obrigada por seu engajamento

Tecnologia do Blogger.