“Nos dois primeiros anos nos deparamos com uma Câmara que quase cuspiu na nossa cara"

Entrevista com Lucas Caregnato (PT), pré-candidato à Câmara Municipal de Caxias do Sul 





Lucas Caregnato, vereador municipal de Caxias do Sul e pré-candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) a uma vaga na câmara municipal, tem 39 anos, é casado, pai do José Artur e do Miguel, formado em História pela UCS, mestre em História pela UPF, doutor em Educação pela Unisinos e professor licenciado do município. O vereador filiou-se ao PT em 2001, embora militasse pelo partido desde 1989.

Como começou sua aproximação do Partido dos Trabalhadores?

Iniciou quando eu era muito pequeno, acompanhando minha madrinha, Tere Varreira, em uma atividade do partido. Desde então, seguiria engajado, orientado por minha família, que frequentava a Paróquia Cristo Operáriono bairro Planalto. Viriam, logo em seguida, a catequese, as pastorais sociais, o movimento estudantil... e as campanhas. “Fui, também, seminarista, em 2000 e trabalhei muito nas comunidades eclesiais de base.


Como começaram as campanhas pra valer?

A primeira campanha foi a do Pepe Vargas em 1992, disputando a Prefeitura municipal, seguindo-se as de 94 [Deputado Estadual] e 96, quando Pepe se elegeu prefeito de Caxias do Sul. O gosto pela política só crescia, o que me levou à campanha em que Olívio Dutra se elegeu governador, em 98 e à reeleição de Pepe, em 2000, quando ele voltou à prefeitura de Caxias.

Deixei o seminário em 2000, engajando-me ao movimento estudantil. Na UCS, participei do DCE, juntamente com a Denise Pessôa, que em 2008 se elegeu vereadora. Nesse período eu estava no gabinete da Deputada Marisa Formolo. Trabalhei na coordenação de campanha da Denise que, a partir dali, iria nos representar. Ela cumpriu quatro mandatos até se eleger Deputada Federal e agora é pré-candidata à Prefeitura de Caxias do Sul, sempre ao nosso lado.


Como foi a "virada" para a academia?

Embora sempre ligado à vida política da cidade, enveredei pela vida acadêmica, principalmente por conselho da Professora Loraine Giron, minha bússola, como costumo definir. Concluí o curso de história em 2003, fiz uma especialização em cultura regional na UCS, um mestrado em História na UPF (2009) e um doutorado em Educação na Unisinos.


A vida acadêmica e o mercado de trabalho trataram de absorver grande parte do tempo dedicado à militância orgânica. Em 2011, assumi a Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Pouco depois, vieram a aprovação no concurso municipal para o magistério e o ingresso no quadro de professores da UCS, como Coordenador de Relações Universitárias.  



Em 2019, estava muito envolvido com a vida acadêmica e não pensava em um cargo político eletivo. mas o cenário na academia estava, já, bastante mudado. Falta de recursos, corte nas bolsas de estudo, perseguição a professores desenhavam o cenário nacional.


A atividade política funcionou como um "bumerangue"?

Ainda em 2019, o Pepe Vargas me procura e começa a estimular minha volta à política. Paralelamente, o Padre Roque, um grande amigo e referência, estava com problema de saúde e alguns meses depois viria a falecer”. Com o consistente argumento do Pepe Vargas para a recuperação de espaço do Partido na vida política, acabei cedendo e iniciei um trabalho de luta antifascista e de organização para o pleito de 2020. 

Em seguida, organizamos um grupo de trabalho e o mote da campanha seria o antirracismo, o antifascismo, as pautas sociaius, com apelo para o samba, com escola de samba, com alas e tudo mais..., mas veio a pandemia. Eu já havia feito muitas campanhas, mas nunca tinha sido candidato a um cargo eletivo. O empenho e a garra substituíram os recursos, que não tínhamos. Meu voto foi o mais barato dentre os eleitos daquele ano. Com a pandemia, tivemos que otimizar o uso das redes.  


Somente pudemos ir para as ruas em outubro e a eleição foi em novembro. A pré-campanha foi nas redes e ninguém sabia como seria, nem tinha experiência. A gente fazia lives, inventava reunião virtual e não sei o que mais. Na campanha, a cena era: muitos militantes no apoio, muito comprometimento, muitas reuniões e pouco dinheiro.

Sabendo das nossas limitações, eu recorri, também, a Oxum, meu guia espiritual. No dia da apuração, peguei minhas coisas e fui para uma cachoeira linda aqui da cidade, que costumo frequentar em momentos importantes da minha vida. Peguei minhas rosas amarelas... e fui pra lá. Tomei um banho de cachoeira, bem tranquilo. Cheguei em casa e às 17 horas liguei a televisão. O que eu podia fazer, tinha feito. Agora, tinha que ter a tranquilidade de ver o resultado do esforço.”


E como foi deparar-se com a vitória depois de tanto trabalho?

Nós (PT) estávamos na frente com o Pepe. Entre os vereadores, Denise estava em segundo lugar no cômputo geral do pleito. No partido estávamos a Denise, a Estela e eu. Assegurada a eleição, veio o novo (e grande) desafio. Eu sabia que não seria fácil.

Nos dois primeiros anos nos deparamos com uma Câmara que quase cuspiu na nossa cara. Havia uma bancada antipetista na Câmara de vereadores, capitaneada pelo ex-vereador Maurício Marcon. Isso nos causou vários problemas. Todos nós vereadores do PT fomos para a comissão de ética e eu, a deputada federal Denise e a vereadora Estela quase tivemos os nossos mandatos cassados e enfrentamos situações complicadas e injustas. Vivemos momentos que lembravam a ditadura, quando defender o fortalecimento de empresas estatais, defender os direitos das mulheres, defender os negros, o segmento LGBTQIA+ eram “pautas subversivas”.


Uma das lições que fica para nós, que somos pessoas públicas e que nos disponibilizamos a cargos públicos, é que nós temos um compromisso enorme com aquilo que a gente acredita, com a nossa ideologia. Temos que ter consciência dos desafios que nos esperam. Mas vale muito a pena.


De que forma você vê o trabalho de um vereador realmente atuante?

Ontem estava em casa preocupado com várias coisas, zapeando nas redes sociais e uma das matérias que li era de uma lei que consegui aprovar na Câmara: as seções de cinemas adaptadas para crianças autistas. Foi uma lei de autoria do meu mandato e que passa a vigorar.


A partir dela, a prefeitura passa a oferecer duas seções de cinema adaptadas para portadores do espectro do autismo no Centro de Cultura Ordovás. E as salas de cinema dos cinemas privados na cidade também terão de fazer isso. Então, é isso que faz valer a pena assumir um mandato. Eu sou o vereador que mais aprovou projetos de leina câmara. 



Consegui aprovar várias leis municipais. É por isso que a gente incomoda, porque fazemos nosso trabalho. Por exemplo, um projeto que a gente aprovou é o de que as mulheres, em procedimentos ginecológicos e obstétricos tenham direito a um acompanhante de sua confiança ou um profissional da área da saúde.

Outro importante projeto aprovado foi o que obriga os responsáveis por condomínios a remeter à polícia casos de violência contra idosos, mulheres e crianças. No esporte, No esporte  – Fundo Municipal de Desenvolvimento do Esporte e Lazer (Fundel), nas categorias masculinas e femininas as premiações devem ser iguais nas categorias masculinas e femininas, graças a um projeto meu aprovado.

A gente fala muito da importância dos dados. Então, criamos um projeto que obriga a prefeitura a disponibilizar dossiês, sobre violência sofrida pela população negra e pela população LGBTQIA, com base nos dados oficiais da oficiais da polícia. Esses dados devem ficar dispostos no site da prefeitura municipal. Isso possibilita que o executivo e o próprio legislativo possam pensar em políticas públicas.

Criamos, também, o prêmio Darcy Ribeiro, um decreto legislativo que condecora professores da rede pública municipal, estadual, federal e da rede privada, da educação não formal, por trabalhos pedagógicos que tenham realizado.

Da atual legislatura, eu sou o único doutor. Mas eles insistem na tentativa fracassada deme chamar de  burro, de vagabundo, fazendo o mesmo com minhas colegas de bancada. Uma pesquisa simples mostra a verdade, apontando quantos projetos de lei eles protocolaram. Quantos projetos de lei protocolados por eles são inconstitucionais e quantos eles aprovaram. Essa comparação estatística é muito simples. Eu acho que isso é um critério importante para definir não apenas nossa carga de trabalho, mas a importância desse trabalho para a população.


Como você vê os principais problemas que tomam conta da cidade?

Meu trabalho se revelou intenso em comunidades como o Bairro Santa Fé, Belo Horizonte e áreas próximas. Mas, na verdade, os problemas da cidade se repetem na maioria dos bairros. Assim, o papel do vereador é ouvir a população, sim, mas principalmente debruçar-se sobre problemas evidentes e buscar soluções permanentes para eles, amparadas em bons projetos que virem Leis. Será mais fácil a comunidade fiscalizar o cumprimento da Lei do que pressionar sozinha o poder público para fazer cumprir seus direitos.

E ao vereador, para chegar aos problemas comunitários, cabe trabalhar num processo qualitativo, ou seja, ouvindo as pessoas e os grupos que as representam. Nesse processo de escuta e de participação, é aí que eu acho que está a resposta. Se os eleitores me permitirem um segundo mandato, espero poder refinar esses mecanismos de escuta, uma vez que a cidade é muito grande. Pretendo qualificar formas e instrumentos de escuta, por grupos, por amostragem..., porque a cidade é muito grande. Isso não significa restringir a visita, o contato pessoal, mas obter recursos que permitam um diagnóstico mais apurado, que nos permita analisar o contexto todo para chegar a críticas consistentes do poder executivo, com projetos de lei que beneficiem de forma permanente um número muito maior de pessoas”.

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