"Oferecer bons momentos aos moradores, com certeza traria benefícios sociais, como a redução do estresse, e da violência"

Entrevista com Gabriel Schmitt (PT), pré-candidato
à Câmara Municipal de Caxias do Sul



Tu és pré-candidato a vereador pela câmara municipal de Caxias do Sul. Nessa condição, o que pensas como ideal para uma cidade? Ou, dizendo de outro modo, qual a questão que mais te preocupa em relação a Caxias do Sul?

Eu acredito que uma cidade do tamanho de Caxias do Sul, segunda maior do estado, tem que estar preocupada com todas as camadas de sua população e com um crescimento equilibrado e sustentável. Porque o fato de ser a segunda maior cidade de do Rio Grande do Sul mostra que ela é uma cidade que tem potencial para mais crescimento. 
O que que tu entendes por cidade maior e por crescimento? Como Caxias deve crescer pra ser uma boa cidade?

Eu sempre enxerguei Caxias do Sul com as suas características e limitações geográficas. Porque ela está, de certa forma em cima do morro. Então, o crescimento horizontal, é um pouco mais difícil de acontecer. Porém, existe muito espaço ainda que pode ser bem ocupado. Existem muitas regiões de Caxias do Sul periféricas que hoje não são atendidas pela administração pública, como é o caso do Recanto das Cascatas, uma região afastada do centro urbano.

Faz pouco tempo, circulei por Vila Oliva, que também é Caxias do Sul. Ou seja, horizontalmente, Caxias ainda tem muito para crescer. Vila Oliva, principalmente, a gente deve considerar, por exemplo, que vai abrigar o aeroporto. Outro aspecto importante a considerar, se falamos em crescimento, é a questão climática. A gente precisa planejar a cidade para ela se expandir horizontalmente, de forma organizada, para que esse crescimento não seja um problema depois.

É preciso planejar a cidade com o cidadão, porque hoje o que a gente tem é, visivelmente, uma cidade que cresceu de forma desordenada, que foi empurrando a camada mais pobre para a periferia, pro “topo do morro”, sem a menor infraestrutura. Temos vários loteamentos que não foram legalizados, então são, na verdade, áreas de ocupação onde estão famílias que sofrem, que estão privadas de muitas coisas que cabe ao município oferecer a elas, desde o saneamento básico até a mobilidade e a segurança. Falemos de algo que parece básico: o sinal de internet, por exemplo.

Oferecer essas coisas mínimas pra centenas de famílias é fazer a cidade crescer. Esses lugares, e não são poucos, considerados zonas de ocupação, devem ser colocados dentro do planejamento da cidade, antes de se transformarem em bolsões de pobreza, miséria, falta de infraestrutura.


Qual seria, nessa perspectiva, o problema mais grave da cidade e como poderia ser tratado?

Acredito que um dos problemas mais agudo da cidade é a falta de cultura. Falo desse aspecto específico mais a título de exemplo, até porque, faço parte de um grupo que pensa essa questão para a cidade. Como representante da área da cultura da cidade, vejo isso e a gente sabe muito bem o que a cultura representa para o povo em geral. Da população que hoje vive em Caxias, 70% não são caxienses. Então, a cultura na cidade tem que espelhar, não somente os valores dos descendentes de italianos, mas também a cultura daqueles grupos étnicos que não são naturais daqui.

A gente tem uma cidade pujante e pessoas que vêm de fora acabam por adotar a cultura/valores caxiense, como a supervalorização do trabalho. Caxias é, na verdade, uma cidade para se trabalhar. Então, a gente tem que manter o que herdou de bom de nossos antepassados, agregando o lazer à vida da cidade.

Temos um exemplo muito bom nesse sentido: a Maesa, antiga fábrica Eberle, bem no coração da cidade. São 50.000 m² que a gente não ocupa, abandonados bem no meio da cidade. Outro exemplo é o Pátio da Estação. Ao idealizar aquele espaço, não se pensou no pessoal da periferia. Eu acho que Caxias tinha que distribuir a cultura, para que a gente volte a ter prazer de frequentar a cidade, de circular por ela.

Oferecer bons momentos aos moradores, com certeza traria benefícios sociais, como a redução do estresse, e da violência. Porém, quando se pensa em espaços culturais para a cidade, a primeira coisa computada é o valor imobiliário daquele espaço, e a segunda é um projeto caro, elitizado.


Teoricamente, isso parece fácil de equalizar. Mas como fazer acontecer?

Eu acho que se quisermos uma cidade feliz, temos que incluir todos os segmentos sociais e econômicos e pulverizar múltiplos espaços culturais e de lazer. A economia da cultura é uma economia que cresce muito, em todo o país. Então, o fato de a gente ignorar isso e deixar a cultura com a iniciativa privada esmaece o que realmente a cultura tem de melhor, que é o popular, a cultura popular. Uma visão popular de cultura agrega as pessoas, nos faz ver a cidade em sua inteireza. Ela faz as pessoas valorizarem e preservarem o espaço que ocupam. A cultura com esse sentido funciona como um fio que costura o homem ao seu espaço, porque, na verdade, tudo se traduz à relação dos indivíduos com seu espaço.

Temos muito para crescer. Mas se a gente crescer de forma desordenada, sem uma relação de respeito, de pertencimento, a gente vai acabar perdendo. Nós gaúchos vivemos isso recentemente.

Ainda temos tempo de criar uma cultura de amor pela cidade, uma cultura de preservação da cidade, uma cultura de preservação da própria cultura. Mas isso não vai ocorrer enquanto a cidade não parar pra ouvir a população. É ela, e não um pequeno segmento dela, que deve dizer o que quer, do que precisa, o que falta na cidade. A partir desse ponto de vista, eu acho que a gente vai conseguir construir uma bela Caxias do Sul.

Quando olho pra Feira da Maesa me entusiasmo. Aquele lugar reúne pessoas, provoca trocas, mostra nossa arte, nosso artesanato, nosso jeito de nos relacionarmos, num lugar que é um dos capítulos mais bonitos da história da cidade. De outro lado, há um paradoxo muito grande. Caxias é a segunda maior cidade do Rio Grande do Sul. Na saúde, por exemplo, atende grande número de cidades vizinhas. Tem excelentes profissionais em diversas áreas. É um polo industrial metalmecânico. No entanto, se quisermos trazer um show internacional pra cá, não podemos. 

Simplesmente não temos um espaço adequado pra isso. Como é que não tem um espaço para receber um show Internacional. Podíamos transformar o antigo prédio da Maesa numa verdadeira usina de cultura, valorizando o que é autenticamente local e ao mesmo tempo ampliando nossos horizontes. Então, eu acho que os ingredientes a gente já tem. Falta o poder público olhar para a cidade e falta a vontade política de melhor, ouvindo o cidadão.


O que queres dizer com “os ingredientes a gente já tem"?

Vamos pensar em Hip-hop, no grafite, na dança, no artesanato dos povos originários... Por exemplo: Comprei duas cestas lindas, de palha, feitas por indígenas. Elas são excelentes pra se fazer pão, por exemplo. A gente faz o pão com fermentação natural e coloca ele dentro dessas cestas pra terminar de crescer. A cesta deixa a massa respirar, a oxigenação é perfeita e qualifica a fermentação. Pensemos, por exemplo, no vime. Os artesãos fazem trabalhos incríveis, cestas, tranças, móveis. Outro ingrediente fundamental para um projeto de cidade melhor é quebrar a invisibilidade das periferias. Espaços como a MAESA são uma incubadora fantásticas de cultura local. Mas a gente não pode esquecer lugares/bairros como o Recanto das Cascatas, por exemplo, ou a população que mora no alto de Galópolis, e assim um número enorme de outras regiões mais deslocadas do coração da cidade, mas que também pulsam, têm vida e merecem atenção. Então, a gente tem que pensar, também, além da cultura; tem que pensar no transporte, na mobilidade, na rede de iluminação, na infraestrutura toda.

Caxias teve, num projeto do prefeito Pepe Vargas, 13 subestações de transbordo. Hoje, pra sair do bairro Cruzeiro e ir a Ana Rech, a gente tem que ir do Cruzeiro até a EPI Imigrante; desce da EPI Imigrante, vai lá na frente do Monumento para pegar um ônibus para na Ana Rech. Ou seja, paga duas passagens pra ir e duas pra voltar. Quem tem condições de gastar isso hoje, diariamente? Para ir até um lugar e voltar, seriam quatro passagens no total, ao custo de R$ 6,50. São R$26 para fazer esse trajeto. Além do custo, a gente tem que pensar no tempo que leva pra fazer o trajeto e no número de carros que são obrigados a circular na cidade por falta de um sistema bem pensado e bem estruturado de transporte público. Imagine o tempo adicional que o trabalhador tem que investir pra não se atrasar. Calcula o risco de crianças e jovens circulando todo esse tempo pela cidade, arriscando-se; profissionais autônomos que precisem de locomover enfrentam o mesmo pesadelo... 



Estamos falando de geopolítica urbana?


Com certeza. A cidade não é pensada de forma integrada. A gente falou de cultura. Mas como participar da cultura sem um sistema interessante de mobilidade? Como pensar saúde, que em Caxias está um desastre, sem pensar na mobilidade? Como pensar no transporte escolar, se um trânsito caótico e violento expõe as crianças a sérios riscos? Então, a batalha tem que ser no sentido de pensar uma cidade com planejamento integrado. E isso depende mais da vontade política do que de dinheiro.

E mais, ter uma cidade que cuida da mobilidade da população é cultura. Isso traduz a cultura de uma cidade que pensa em seu cidadão, uma cidade que olha para as pessoas, do centro à periferia, em todas as situações, ou seja, trabalho, lazer, saúde...

Tem-se que pensar numa forma de o cidadão circular descentemente e com segurança. É importante que também a cultura se pulverize pela cidade. A cultura educa e afasta a violência. E a postura contrária solidifica o racismo estrutural. veja bem, se as pessoas encontram uma boa infraestrutura em seus bairros, a necessidade de se deslocar para o centro diminui, irrigando e capilarizando segurança e economia nas microrregiões, ou seja, nos diferentes bairros. A cidade acaba tendo dois núcleos: centro, que expurga e periferia que acolhe expurgados.


E aí a gente pode pensar, por exemplo, na saúde. O sujeito já tem um problema. Aí o transporte até o lugar de atendimento é horrível. Chega lá aumenta a espera, porque não tem médico. Acaba, muitas vezes, sendo mal-recebido por pessoas sem treinamento e sem paciência. É evidente que isso só vai piorar o quadro. Sem considerar que se a cidade tivesse a infraestrutura adequada esse mesmo sujeito seria ensinado a cuidar melhor de si. Então, acredito que a geopolítica urbana é fundamental para a saúde, para a segurança, para a sociabilidade, para a cultura. Mas isso não pode ser pensado privilegiando um grupo que detém o poder econômico. Tem que ser uma política pública. 


É preciso humanizar essa sede de privatização que a gente sente e que leva a criar grupos de cidadãos de primeira, de segunda e de terceira categoria, porque nisso está o centro propulsor da violência que vivemos hoje, em Caxias e no mundo.


Como alcançar essa visão da cultura associada à cidadania?

Me parece muito importante a gente valorizar os costumes, as tradições, a história que nos antecedeu, e que nos trouxe até aqui. E qual é o lugar onde se faz isso? É na cidade. Onde ficaram aqueles princípios de valorização e respeito ao meio ambiente, aquela cultura que respeitava a terra onde se vivia? Não se trata de negar os avanços, a tecnologia, mas de pensar tudo isso a serviço das pessoas, a partir de suas comunidades.

A partir disso a gente pode ver, por exemplo, o mal que é aquele agro que usa veneno, que pratica a monocultura, que provoca incêndios, que persegue os sem terra, que agride os indígenas, que multa os que oferecem alimento a quem não tem... Em nome do que?

E a gente tem que se dar conta de que isso não está distante de nós. O Rio Grande do Sul viu tudo isso e ainda está amargando as consequências da gestão de suas cidades a partir da falta de políticas públicas descentes. Aí nós voltamos para a questão da cultura, porque cultura é, também, consciência de classe. Cultura é amor pela cidade é amor pela ancestralidade. Costumo usar como exemplo o pão artesanal que faço. Fazemos o fermento, observamos o crescimento da massa... A gente está criando vida. Acredito que o que a gente precisa é revisitar nossas origens. A capitalismo selvagem tornou as coisas apressadas, superficiais. Tirou delas a essência. Então, quando eu falo de cultura, é desse amor que estou falando.
 




Repito, não se trata de negar o progresso, a ciência. Até porque, progresso e ciência, quando recheado desse humanismo que estamos perdendo, reafirmam aqueles valores ancestrais que deixamos pelo caminho.

Então se pensamos a cultura como amor, ela amarra a política, a economia, a educação, moldando uma sociedade que se compreende como parte vital do e não apenas no meio ambiente. A cultura é capaz de nos trazer o conhecimento ancestral. Ao mesmo tempo que traz a chave do futuro, ela abre caminhos.

Nesse sentido, eu acho que a gente precisa pensar Caxias não como uma cidade simplesmente, mas como, um organismo vivo, onde convivem pessoas de todos os níveis culturais, de todos os níveis sociais, das mais diversas procedências, que têm a obrigação de lutar por seus direitos, desde um transporte descente até a iluminação de sua rua, uma escola, atendimento digno na saúde...


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