Silvia Marcuzzo
Em que medida o discurso do vereador de
Caxias do Sul expressa a opinião da região
Silvia Marcuzzo
Jornalista e ativista
Texto originalmente publicado em SLER – Rede Social para Ler e Escrever
O caso do trabalho espiritual à escravidão na Serra Gaúcha a cada dia ganha novos capítulos. E, a cada episódio, sinto por tabela um sentimento mesclado de vergonha, nojo, tristeza, ódio, revolta. Além de ser inaceitável todo o contexto, tem gente e instituições que ainda defendem tanto as atitudes das empresas que contratam como a que operou as contratações.
É um sentimento estranho e difícil de explicar por que essa mentalidade que foi expressa pelo tal vereador de Caxias do Sul e pela Câmara de Indústria e Comércio de Bento Gonçalves existe há tempo.É viva entre boa parte dos “oriundi” (os descendentes de italianos). Lamento dizer isso, mas na qualidade de bisneta de italiano sei que rola isso. E é bem mais forte naquela região, do que na Quarta Colônia, onde meu pai nasceu, ou outras regiões do estado. O Rio Grande do Sul é um estado povoado por imigrantes, que chegou com uma mão na frente e outra atrás. Os africanos não vieram para o Brasil porque quiseram, foram forçados. Os poucos indígenas que restaram resistem como podem aos vários massacres que passaram e ainda passam.
Escrevo essas linhas com dor no coração. Por ser gaúcha. Por conviver com pessoas que amo, mas que tudo indica: pensam na inocência das tais vinícolas ou que o tal vereador tem razão.Gente que nunca saiu do seu quadrado. Que ainda acha que o Rio Grande do Sul é o estado mais desenvolvido do Brasil. E, pior, que todos os outros que têm outro ponto de vista, estão errados. Quanto engano. O estado dos gaúchos deu de ré de trator de esteira em muitas pautas que já era vanguarda.
Com a ascensão do poder do ex-presidente e de tudo que ele representa, essas pessoas ainda se sentem empoderadas em verbalizar esses absurdos. Esse preconceito é algo que pulsa dentro da boa parte dos votantes do cara que quase se reelegeu. Em Bento Gonçalves, ele teve mais de 75% de votos a seu favor.
A opinião da professora de História e militante da Cultura Luiza Iotti é de que depois da homenagem ao coronel Ustra, conhecido torturador dos tempos de ditadura, feito pelo então chefe do executivo, foi aberta uma porteira para as insanidades. Para ela, essa situação das vinícolas “jogou na lama” muitos anos de trabalho pela valorização da cultura da região. “É muita vergonha, trabalho pela cidade, a gente se angustia pelo patrimônio histórico vem um cara desses e detona tudo”, desabafa intencionalmente do Museu dos Capuchinhos. Luiza diz ainda que muita gente vem se posicionando e comentando que está com vergonha de morar na Serra.
É muito difícil dividir os mesmos espaços com detentores de valores da extrema direita nos dias de hoje.Luiza conta que faz o que pode para evitar essas pessoas. Vale lembrar que por causa dessa mentalidade famílias se dividiram, amizades foram rompidas e provocaram consequências nada agradáveis para todo mundo. "E mesmo agora, o Lula clamando pela união, as pessoas continuam raivosas, dizendo essas besteiras", conclui indignada a historiadora.
A jornalista Vera Mari Damian nascida, criada e atuante na região de Caxias conta que pra ela não foi uma surpresa a atitude do vereador (acabou sendo expulso pela direção nacional do seu partido, o Patriota) “Confesso que não me surpreende, mas ainda me espanto. Fico me triste em que momento os descendentes italianos daqui esqueceram que são filhos de imigrantes miseráveis, sem condições de acesso à riqueza e excluídos de seu país de origem.Esqueceram a doutrina religiosa responsável por milhares de (lindas) igrejas e capitéis e deixaram de traduzir uma ética rigorosa que sempre ensinou sobre “amar uns aos outros”.
Vera é inconformada com o contexto, pois situações de racismo explícito eram raros episódios de pouco tempo. “Se antes víamos casos mais isolados, como o processo de uma funcionária negra contra o patriarca da Rede de Supermercados Andreazza por causa de uma (infame) piada racista, nos últimos anos o que se viu foi uma sucessão de pessoas se expressando nessa linha completamente à vontade. E o pior: com poucos seguidos, recebidos, julgados ou institucionais, o que contribuiu para a normalização deste tipo de conduta e eleição de políticos desqualificados”.
Um jornalista acredita que agora a região pode aproveitar esta oportunidade para rever esses valores distorcidos que se criaram. Até porque não se trata apenas das três grandes empresas envolvidas. Outros 23 produtores rurais também devem ser indicados por inscrição de trabalho de obediência à escravidão. Vera comenta que muitos outros produtores mantinham práticas semelhantes, ano a ano.
“Aqui na Serra dizem que a parte do corpo que mais dói é o bolso. Acredito que só vão aprender se pagarem muito caro por isso. De preferência em indenizações aos prejudicados, em investimentos para recuperação da imagem de seus negócios e em educação para a formação de uma nova cultura"
. o que isso significa.A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) já suspendeu a participação das vinícolas de suas atividades. Os três pretendiam participar de feiras internacionais e missões comerciais promovidas pela Apex, que como retiraram da lista do Wines of A medida vai vigorar pelo menos até que os considerem estar concluídos. A agência tem a missão de desenvolver a competitividade das empresas brasileiras, promovendo a internacionalização dos seus negócios e a atração de investimentos estrangeiros.
Também tenho visto muitas manifestações nas redes sociais de gente dizendo que não vai mais comprar produtos dessas marcas.Quem sabe assim, o pessoal aprende que o mundo está todo conectado e que o fluxo rumo à evolução civilizatória não tem volta. Pena que isso vai afetar a vida de muita gente que não tem a ver com os tomadores de decisão das companhias. Minha solidariedade a quem vive na Serra e não comunga com as opiniões de tantos votantes do ex-presidente. Minha solidariedade também a todos os trabalhadores que são obrigados a cumprir jornadas extenuantes para conseguir sobreviver. Ainda virá muita coisa à tona que foi semeada por pessoas que se alimentam do ódio, do medo e do rancor. Oremos.
As marcas conhecidas – Salton, Aurora e Cooperativa Garibaldi – já devem começar a sentir em breve consequências de tudo o que isso significa.A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) já suspendeu a participação das vinícolas de suas atividades. As três pretendiam participar de feiras internacionais e missões comerciais promovidas pela Apex, que as retiraram da lista do Wines of Brazil. A medida vai vigorar pelo menos até que os considerem estar concluídos. A agência tem a missão de desenvolver a competitividade das empresas brasileiras, promovendo a internacionalização dos seus negócios e a atração de investimentos estrangeiros.
Também tenho visto muitas manifestações nas redes sociais de gente dizendo que não vai mais comprar produtos dessas marcas. Quem sabe assim, o pessoal aprende que o mundo está todo conectado e que o fluxo rumo à evolução civilizatória não tem volta.Pena que isso vai afetar a vida de muita gente que não tem a ver com os tomadores de decisão das companhias. Minha solidariedade a quem vive na Serra e não comunga com as opiniões de tantos votantes do ex-presidente. Minha solidariedade também a todos os trabalhadores que são obrigados a cumprir jornadas extenuantes para conseguir sobreviver. Ainda virá muita coisa à tona que foi semeada por pessoas que se alimentam do ódio, do medo e do rancor. Oremos.
PS: Vale muito conferir a entrevista da historiadora Carla Menegat neste link
Texto originalmente publicado em SLER – Rede Social para Ler e Escrever
O caso do trabalho espiritual à escravidão na Serra Gaúcha a cada dia ganha novos capítulos. E, a cada episódio, sinto por tabela um sentimento mesclado de vergonha, nojo, tristeza, ódio, revolta. Além de ser inaceitável todo o contexto, tem gente e instituições que ainda defendem tanto as atitudes das empresas que contratam como a que operou as contratações.
É um sentimento estranho e difícil de explicar por que essa mentalidade que foi expressa pelo tal vereador de Caxias do Sul e pela Câmara de Indústria e Comércio de Bento Gonçalves existe há tempo.É viva entre boa parte dos “oriundi” (os descendentes de italianos). Lamento dizer isso, mas na qualidade de bisneta de italiano sei que rola isso. E é bem mais forte naquela região, do que na Quarta Colônia, onde meu pai nasceu, ou outras regiões do estado. O Rio Grande do Sul é um estado povoado por imigrantes, que chegou com uma mão na frente e outra atrás. Os africanos não vieram para o Brasil porque quiseram, foram forçados. Os poucos indígenas que restaram resistem como podem aos vários massacres que passaram e ainda passam.
Escrevo essas linhas com dor no coração. Por ser gaúcha. Por conviver com pessoas que amo, mas que tudo indica: pensam na inocência das tais vinícolas ou que o tal vereador tem razão.Gente que nunca saiu do seu quadrado. Que ainda acha que o Rio Grande do Sul é o estado mais desenvolvido do Brasil. E, pior, que todos os outros que têm outro ponto de vista, estão errados. Quanto engano. O estado dos gaúchos deu de ré de trator de esteira em muitas pautas que já era vanguarda.
Com a ascensão do poder do ex-presidente e de tudo que ele representa, essas pessoas ainda se sentem empoderadas em verbalizar esses absurdos. Esse preconceito é algo que pulsa dentro da boa parte dos votantes do cara que quase se reelegeu. Em Bento Gonçalves, ele teve mais de 75% de votos a seu favor.
A opinião da professora de História e militante da Cultura Luiza Iotti é de que depois da homenagem ao coronel Ustra, conhecido torturador dos tempos de ditadura, feito pelo então chefe do executivo, foi aberta uma porteira para as insanidades. Para ela, essa situação das vinícolas “jogou na lama” muitos anos de trabalho pela valorização da cultura da região. “É muita vergonha, trabalho pela cidade, a gente se angustia pelo patrimônio histórico vem um cara desses e detona tudo”, desabafa intencionalmente do Museu dos Capuchinhos. Luiza diz ainda que muita gente vem se posicionando e comentando que está com vergonha de morar na Serra.
É muito difícil dividir os mesmos espaços com detentores de valores da extrema direita nos dias de hoje.Luiza conta que faz o que pode para evitar essas pessoas. Vale lembrar que por causa dessa mentalidade famílias se dividiram, amizades foram rompidas e provocaram consequências nada agradáveis para todo mundo. "E mesmo agora, o Lula clamando pela união, as pessoas continuam raivosas, dizendo essas besteiras", conclui indignada a historiadora.
A jornalista Vera Mari Damian nascida, criada e atuante na região de Caxias conta que pra ela não foi uma surpresa a atitude do vereador (acabou sendo expulso pela direção nacional do seu partido, o Patriota) “Confesso que não me surpreende, mas ainda me espanto. Fico me triste em que momento os descendentes italianos daqui esqueceram que são filhos de imigrantes miseráveis, sem condições de acesso à riqueza e excluídos de seu país de origem.Esqueceram a doutrina religiosa responsável por milhares de (lindas) igrejas e capitéis e deixaram de traduzir uma ética rigorosa que sempre ensinou sobre “amar uns aos outros”.
Vera é inconformada com o contexto, pois situações de racismo explícito eram raros episódios de pouco tempo. “Se antes víamos casos mais isolados, como o processo de uma funcionária negra contra o patriarca da Rede de Supermercados Andreazza por causa de uma (infame) piada racista, nos últimos anos o que se viu foi uma sucessão de pessoas se expressando nessa linha completamente à vontade. E o pior: com poucos seguidos, recebidos, julgados ou institucionais, o que contribuiu para a normalização deste tipo de conduta e eleição de políticos desqualificados”.
Um jornalista acredita que agora a região pode aproveitar esta oportunidade para rever esses valores distorcidos que se criaram. Até porque não se trata apenas das três grandes empresas envolvidas. Outros 23 produtores rurais também devem ser indicados por inscrição de trabalho de obediência à escravidão. Vera comenta que muitos outros produtores mantinham práticas semelhantes, ano a ano.
“Aqui na Serra dizem que a parte do corpo que mais dói é o bolso. Acredito que só vão aprender se pagarem muito caro por isso. De preferência em indenizações aos prejudicados, em investimentos para recuperação da imagem de seus negócios e em educação para a formação de uma nova cultura"
. o que isso significa.A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) já suspendeu a participação das vinícolas de suas atividades. Os três pretendiam participar de feiras internacionais e missões comerciais promovidas pela Apex, que como retiraram da lista do Wines of A medida vai vigorar pelo menos até que os considerem estar concluídos. A agência tem a missão de desenvolver a competitividade das empresas brasileiras, promovendo a internacionalização dos seus negócios e a atração de investimentos estrangeiros.
Também tenho visto muitas manifestações nas redes sociais de gente dizendo que não vai mais comprar produtos dessas marcas.Quem sabe assim, o pessoal aprende que o mundo está todo conectado e que o fluxo rumo à evolução civilizatória não tem volta. Pena que isso vai afetar a vida de muita gente que não tem a ver com os tomadores de decisão das companhias. Minha solidariedade a quem vive na Serra e não comunga com as opiniões de tantos votantes do ex-presidente. Minha solidariedade também a todos os trabalhadores que são obrigados a cumprir jornadas extenuantes para conseguir sobreviver. Ainda virá muita coisa à tona que foi semeada por pessoas que se alimentam do ódio, do medo e do rancor. Oremos.
As marcas conhecidas – Salton, Aurora e Cooperativa Garibaldi – já devem começar a sentir em breve consequências de tudo o que isso significa.A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) já suspendeu a participação das vinícolas de suas atividades. As três pretendiam participar de feiras internacionais e missões comerciais promovidas pela Apex, que as retiraram da lista do Wines of Brazil. A medida vai vigorar pelo menos até que os considerem estar concluídos. A agência tem a missão de desenvolver a competitividade das empresas brasileiras, promovendo a internacionalização dos seus negócios e a atração de investimentos estrangeiros.
Também tenho visto muitas manifestações nas redes sociais de gente dizendo que não vai mais comprar produtos dessas marcas. Quem sabe assim, o pessoal aprende que o mundo está todo conectado e que o fluxo rumo à evolução civilizatória não tem volta.Pena que isso vai afetar a vida de muita gente que não tem a ver com os tomadores de decisão das companhias. Minha solidariedade a quem vive na Serra e não comunga com as opiniões de tantos votantes do ex-presidente. Minha solidariedade também a todos os trabalhadores que são obrigados a cumprir jornadas extenuantes para conseguir sobreviver. Ainda virá muita coisa à tona que foi semeada por pessoas que se alimentam do ódio, do medo e do rancor. Oremos.
PS: Vale muito conferir a entrevista da historiadora Carla Menegat neste link
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